Publicado
em 05/2015. Elaborado em 05/2015.
O trabalho possui a finalidade de estabelecer as
diferenças existentes entre a agricultura rural convencional e a agricultura em
regime de economia familiar. A partir dessa diferenciação, concluir pela
legitimidade dos SINTRAF'S.
No decorrer do exercício da advocacia me deparei
com um tema bastante intrigante no âmbito da justiça do trabalho. Trata-se do
enquadramento dos agricultores familiares como categoria específica,
oportunidade em que os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais buscavam a anulação
dos atos constitutivos daqueles novos sindicatos por suposta ofensa à unicidade
sindical, estampada na Constituição Federal.
Os sindicatos dos trabalhadores e trabalhadores
da agricultura familiar, comumente conhecidos como SINTRAF’S nasceram da
especificidade de condições de vida, tendo em vista que a agricultura em regime
de economia familiar possui requisitos que o diferenciam dos agricultores
rurais comumente conhecidos e com representatividade sindical há muito estabelecida.
As referidas características ficam melhor
exemplificadas quando passamos à análise dos pressupostos de atuação, tais
como: as ações desenvolvidas pelos SINTRAF’S, haja vista que suas atividades
são voltadas para conjecturas de políticas que se destinem a assistência do
grupo familiar e não somente do indivíduo enquanto agricultor rural.
Dessa forma, todas as atividades exercidas buscam
uma melhor proteção da unidade familiar, portanto, na hipótese de ser o marido
sindicalizado junto aos SINTRAF’S, todo o agrupamento familiar possui guarida
nas ações do sindicato, ao contrário do que ocorre nos Sindicatos Dos
Trabalhadores Rurais – STR’S, que prestam assistência sindical apenas ao
associado, deixando ao relento os demais membros do agrupamento familiar.
Para adentrarmos ao mérito da discussão, mister
se faz discutir o conceito de agricultura familiar, para que assim possam
entender as diferenças e concluir pela especificidade dos agricultores em
regime de economia familiar. A agricultura familiar possui como maior expoente
de especificidade a Lei 11.326/2006, sancionada pela então presidente da
República Federativa do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, oportunidade em que
o texto legal nos traz a definição de agricultor familiar, acostada em seu artigo
3º e demais incisos.
A redação legal, por si só, com o devido respeito
aos que entendem de modo diverso, é mais do que suficiente para caracterizar a
agricultura familiar como sendo um ramo específico, sendo, pois, legitima a
criação e a representatividade dos Sindicatos Dos Trabalhadores E Trabalhadores
Da Agricultura Familiar – SINTRAF’S.
Melhor dissertando acerca do assunto, valiosas
são as palavras do Iara Altafin, ao enunciar de maneira exemplar o conceito de
agricultura familiar, senão vejamos:
“É decisiva para a formação
do conceito de agricultura familiar a divulgação do estudo realizado no âmbito
de um convênio de cooperação técnica entre a Organização das Nações Unidas para
a Alimentação e Agricultura (FAO) e o Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (INCRA). O estudo define agricultura familiar “[...] a partir
de três características centrais: a) a gestão da unidade produtiva e os
investimentos nela realizados são feitos por indivíduos que mantém entre si
laços de sangue ou casamento; b) a maior parte do trabalho é igualmente
fornecida pelos membros da família; c) a propriedade dos meios de produção
(embora nem sempre da terra) pertence à família e é em seu interior que se
realiza sua transmissão em caso de falecimento ou aposentadoria dos
responsáveis pela unidade produtiva” (INCRA/FAO, 1996: 4).”
Dessa maneira, verifica-se que o modelo de
agricultura familiar corresponde a um conjunto de operações específicas que
visam melhorar a vida de pequenos proprietários de terras que, apesar de todas
as dificuldades que passam, continuam a sobreviver em um meio rural cada vez
mais árduo. Ademais, e não sendo ausente aos anseios dessa nova classe
econômica que se forma, são criadas medidas legislativas que visam apaziguar as
dificuldades e, dessa maneira, contribuir para um avanço das melhorias de vida
no campo.
Com base nos dados apresentados, verifica-se que
os SINTRAF’S não estão a infringir o comando constitucional da unicidade
sindical, acostado no artigo 8º da Constituição Federal de 1988, haja vista que
o presente texto constitucional veda a criação de mais de um sindicato
representativo na mesma base territorial, o que no caso em tela não ocorre, uma
vez que aqueles representam uma categoria totalmente distinta da agricultura
rural, e por isso são legítimos os seus atos de constituição sindical e
representação da categoria, como podemos observar pelas lições
retromencionadas. Dito isto, concluímos que representam uma categoria econômica
única, tendo, inclusive, previsão legislativa acostada no artigo 511, § 3º da
CLT, senão vejamos:
Art. 511. É lícita a
associação para fins de estudo, defesa e coordenação dos seus interesses
econômicos ou profissionais de todos os que, como empregadores, empregados,
agentes ou trabalhadores autônomos ou profissionais liberais exerçam,
respectivamente, a mesma atividade ou profissão ou atividades ou profissões
similares ou conexas.
§ 3º Categoria profissional
diferenciada é a que se forma dos empregados que exerçam profissões ou funções
diferenciadas por força de estatuto profissional especial ou em consequência de
condições de vida singulares.
Nesse sentido, valiosa são as lições apresentadas
pelo doutrinador Sérgio Pinto Martins, ao enunciar o conceito de uma categoria
econômica ou profissional, a qual pedimos a devida vênia para transcrever:
“Categoria é o conjunto de
pessoas que têm interesses profissionais ou econômicos em comum, decorrente de
identidade de condições ligadas ao trabalho. A categoria compreende, portanto,
a organização do grupo profissional ou econômico, segundo as determinações
políticas do Estado. (Martins, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 26 ed. São
Paulo: Atlas, 2010.)
Outrossim, deve-se atentar para o seguinte caso
hipotético: “ Se um trabalhador rural que esteja laborando em uma propriedade
agrícola da região vier a se envolver em uma demanda justrabalhista, e o
proprietário da terra for assistido pelo Sindicato Dos Trabalhadores Rurais -
STR, quem fará as vezes do humilde trabalhador em regime de agricultura
familiar que fora dispensado/afastado se não os Sindicatos Dos Agricultores E
Agricultoras Em Regime De Economia Familiar – SINTRAF’S? Ora tal
situação, demonstra de maneira cristalina que os SINTRAF’S representam uma
CATEGORIA ESPECÍFICA E QUE SUAS ATUAÇÕES ESTÃO DENTRO DA LEGALIDADE, não
havendo que se falar em afronta à unicidade sindical.
Dispõe o caput do artigo 570 da CLT que os
sindicatos constituir-se-ão, normalmente, por categorias econômicas ou
profissionais, específicas. Já o parágrafo único do mesmo artigo aduz, que quando
os exercentes de quaisquer atividades ou profissões se constituírem, seja pelo
número reduzido, seja pela natureza mesma dessas atividades ou profissões, seja
pelas afinidades existentes pelo critério de categorias similares ou conexas
poderão criar sindicatos ecléticos.
Nota-se, que os sindicatos podem ser formados por
categorias conexas, dando ensejo aos chamados sindicatos ecléticos, que
congregam profissionais de vários campos de atuação que, em razão da quantidade
reduzida, não podem se sindicalizar eficientemente pelo critério da
especificidade. Acontece que tal categoria, ou seja, os agricultores em regime
de agricultura familiar, conforme dispõe a Lei 11.326/06, resolveram se reunir
e criar sindicatos mais específicos, para melhor serem representados e
assistidos por sua entidade sindical.
Tal providência está autorizada pelo artigo 571
da CLT, ao mencionar que as atividades ou profissões concentradas poderão
dissociar-se do sindicato principal, formando um sindicato específico, sendo
exatamente o que ocorre na hipótese.
Frise-se que não está havendo violação à
unicidade sindical trazida pelo art. 8º, II, da Constituição Federa, onde
ocorre a vedação a criação de mais de uma organização sindical, em
qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma
base territorial.
Isto porque, não se está criando sindicato para
categoria já representada, mas desmembrando tal categoria de sindicato mais
eclético, constituindo sindicato mais específico.
Ao analisar casos semelhantes, a jurisprudência
pátria tem se manifestado pela legalidade da representativa de sindicatos dos
agricultores familiares por entender que os mesmos, são representativos de
categoria diferenciada dos demais sindicatos dos agricultores rurais, vejamos:
Ementa: CONFLITO SINDICAL.
REPRESENTAÇÃO DE CATEGORIA ESPECÍFICA. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA UNICIDADE
SINDICAL NÃO CONFIGURADO. O Princípio da Unicidade Sindical não preconiza que
as categorias agregadas não possam se desintegrar e constituir outras,
específicas. Não implica em afronta ao princípio a constituição do sindicato
recorrido, eis que formado por categoria distinta daquela representada pelo
recorrente, qual seja, os trabalhadores na agricultura familiar, definidos pela
Lei n. 11.326/2006. Recurso Ordinário conhecido, mas não provido.( TRT-16;
Relator(a): JOSÉ EVANDRO DE SOUZA; 1363200902016006 MA 01363-2009-020-16-00-6;
02/06/2010).
Ementa: MESMA BASE
TERRITORIAL. CATEGORIA MAIS ESPECÍFICA. NÃO VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA UNICIDADE
SINDICAL.Em que pese a existência de sindicato anterior e legalmente
constituído no âmbito da mesma base territorial (município de Bom Lugar),
entendo que os mesmos representam categoria distintas, pelo que merece
prosperar o inconformismo do recorrente, já que não restou evidenciado nos
autos a violação do princípio da unicidade sindical. (TRT-16; Relator(a):
MÁRCIA ANDREA FARIAS DA SILVA; 873200600816000 MA 00873-2006-008-16-00-0;
Julgamento: 06/05/2008).
Ementa: CONFLITO SINDICAL.
REPRESENTAÇÃO DE CATEGORIA ESPECÍFICA. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA UNICIDADE
SINDICAL NÃO CONFIGURADO - À luz dos arts. 8º, II, da CF/88 e 516 da CLT, dois
sindicatos, representantes de idênticas categorias, não podem coexistir em uma
mesma base territorial. Considerando que, no caso presente, o sindicato recorrente
representa categoria mais específica que a representada pelo sindicato
recorrido, qual seja, os trabalhadores na agricultura familiar, não há que se
falar em violação ao princípio da unicidade sindical, razão pela qual impõe-se
a reforma da decisão primária que declarou a nulidade do ato de constituição do
Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Município
de Araioses/MA. Vistos, relatados e discutidos estes autos de RECURSO ORDINÁRIO
em que figura como recorrente o SINDICATO DE TRABALHADORES E TRABALHADORAS NA
AGRICULTURA FAMILAR DO MUNICÍPIO DE ARAIOSES - MA (SINTRAF) e, como recorrido,
o SINDICATO DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS RURAIS DE ARAIOSES - MA (STTR).(
TRT-16: Relator(a): ILKA ESDRA SILVA ARAÚJO; 473200801816003 MA
00473-2008-018-16-00-3; Julgamento: 23/03/2010).
Ementa: ANULAÇÃO DE ATO
JURÍDICO. CONSTITUIÇÃO DE SINDICATO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA UNICIDADE SINDICAL
INEXISTENTE. CATEGORIA PROFISSIONAL ESPECÍFICA. DISTINÇÃO DE INTERESSES.
POSSIBILIDADE DE CRIAÇÃO DE NOVO SINDICATO. RECURSO DESPROVIDO. Segundo
pacífica orientação do Superior Tribunal de Justiça, os pequenos proprietários
rurais, de agricultura familiar, constituem categoria profissional específica
em relação aos trabalhadores rurais, de caráter genérico e abrangente. Assim,
não constitui ofensa ao princípio da unicidade sindical a criação de sindicato,
dentro de uma mesma base territorial, que represente apenas a classe exclusiva
dos agricultores familiares.( TJSC - Apelação Cível: AC 313019 SC 2004.031301-9;
Relator(a): Luiz Carlos Freyesleben; Julgamento: 23/09/2009; Órgão Julgador:
Segunda Câmara de Direito Civil).
Diante de todos os argumentos apresentados,
podemos facilmente concluir que os SINTRAF’S representam uma categoria
profissional diferenciada, tendo a Lei 11.326/06 enunciado um rol extenso de
singularidades da referida categoria profissional, não havendo sustentação
jurídica que possa desaguar em uma possível afronta à unicidade sindical.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALTAFIN, Iara.
INCRA/FAO, 1996: 4
MARTINS, Sérgio
Pinto. Direito do Trabalho. 26 ed. São Paulo: Atlas, 2010.
TJSC - Apelação
Cível: AC 313019 SC 2004.031301-9; Relator(a): Luiz Carlos Freyesleben;
Julgamento: 23/09/2009; Órgão Julgador: Segunda Câmara de Direito Civil.
TRT-16: Relator(a):
ILKA ESDRA SILVA ARAÚJO; 473200801816003 MA 00473-2008-018-16-00-3; Julgamento:
23/03/2010.
TRT-16;
Relator(a): MÁRCIA ANDREA FARIAS DA SILVA; 873200600816000 MA
00873-2006-008-16-00-0; Julgamento: 06/05/2008.
TRT-16;
Relator(a): JOSÉ EVANDRO DE SOUZA; 1363200902016006 MA 01363-2009-020-16-00-6;
02/06/2010
Fonte: https://jus.com.br/artigos/38877/agricultura-familiar-categoria-especifica-e-o-direito-ao-desmembramento-sindical